sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Sombras do passado

Nelson Motta

Por mais que os ficcionistas quebrem a cabeça para inventar crimes, mistérios e conspirações complexos, surpreendentes e emocionantes, os livros, filmes e seriados acabam sempre superados pela vida real. O assassinato do prefeito Celso Daniel completa dez anos sem culpados nem condenados, e pior, desde o início das investigações sete testemunhas e investigados já foram assassinados ou morreram em circunstâncias misteriosas. O principal acusado é digno de um pulp fiction: o Sombra.

O roteiro: prefeito de uma próspera cidade industrial faz um acordo com empresários correligionários para desviar dinheiro público para as campanhas do seu partido. Ninguém ganharia nada, não eram corruptos, eram patriotas a serviço da causa e do partido, afinal, estava em jogo transformar o Brasil, os nobres fins justificavam os meios sujos. Foi assim no início, mas o ser humano?

Com a dinheirama crescendo e rolando sem controle, o Sombra, chefe da operação e amigo do prefeito, começa a desviar para sua própria causa. Outros empresários do esquema, e alguns políticos que intermediavam as contribuições, também começam a meter a mão. Até que o prefeito, que não sabia de nada, descobre tudo e ameaça detonar o esquema. Seria o fim para o Sombra e a quadrilha.

O prefeito é atraído pelo Sombra para uma cilada, o carro dos dois é interceptado por bandidos e o prefeito sequestrado, o Sombra escapa ileso. Nenhum resgate é pedido, dias depois o prefeito é encontrado morto a tiros e com marcas de tortura. Contra as evidências, a polícia trata o caso como um sequestro comum, mas o Ministério Publico vai fundo nas conexões políticas. O garçom que havia testemunhado a última conversa entre o prefeito e o Sombra é executado. Em seguida, uma testemunha da morte do garçom. O bandido que fazia a ligação entre os sequestradores e o Sombra é assassinado na cadeia. O médico legista, que atestou as marcas de tortura, morre envenenado. Ameaçado, o irmão do prefeito se exila na França.

O Sombra continua nas sombras, o processo não anda, logo o crime estará prescrito. E o pior de tudo: não é ficção.

Publicado em O Globo - 20/01/2012

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. O Sombra nem precisava ficar nas sombras. Somos um povo com memória curta, acostumado historicamente a não ter vez nem voz. Qualquer dupla sertaneja, carnaval ou campeonatozinho de futebol abranda nossa rasa memória e indolente atitude.

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