O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff contém acertos
e erros.
A Presidente acertou ao convocar, mesmo que com atraso, a
rede nacional de rádio e TV - a primeira realmente necessária em sua
administração - para apresentar à população e ao mundo a palavra do governo
brasileiro sobre os últimos acontecimentos.
Errou, no entanto, no conteúdo. Reproduziu exatamente o tipo
de ação política que está sendo rechaçada nas ruas de todo o país. Fez um
discurso dissocianciado da verdade, reforçando a política como território
distante de valores e da própria realidade.
A presidente perdeu uma oportunidade única de se conectar
com a população. Para isso, precisaria ter reconhecido erros e
responsabilidades para, em seguida, ter a legitimidade de transformar essa
extraordinária manifestação por desejo de mudanças em combustível para uma
verdadeira transformação do país.
No entanto, escolheu fazer um discurso que reproduz o
tradicional jeitinho de fazer política no Brasil: empurrando os problemas para
debaixo do tapete, fingindo que não tem nada a ver com o que está acontecendo,
que é tudo responsabilidade dos outros, que só não fez melhor porque não foi
permitido.
Fez, assim, um discurso como se a população brasileira fosse
formada por alienados e desinformados. Ela está nas ruas justamente mostrando
que não é.
A presidente falou no seu compromisso com a transparência e
com a luta contra a corrupção. Enquanto isso, no Brasil real, a mesma
presidente proíbe a divulgação dos gastos das suas viagens ao exterior e,
pensando nas eleições, abriga novamente no governo a influência de pessoas que
ela mesma havia afastado sob suspeita de desvios.
Como forma de tentar demonstrar compromisso com a saúde, a
presidente disse que os investimentos federais nesta área vêm aumentando,
quando todo o país sabe que a participação do governo federal nos gastos
nacionais do setor vem caindo de forma acentuada há 10 anos, desde que o PT
assumiu o governo. Quando todo o país sabe que o governo se empenhou
especialmente para impedir que a regulamentação da Emenda 29 fixasse patamar
mínimo de 10% de invstimento no setor para a esfera federal.
Com o foco das manifestações no transporte coletivo, a
presidente diz agora que enfim vermelho vai discutirá o assunto. Nenhuma
palavra para o fato do seu governo agir exatamente no sentido oposto: faz
desonerações isoladas para atender lógicas e interesses específicos,
estimulando a aquisição de veículos individuais e defendendo projetos
mirabolantes, como o trem bala, em detrimento de investimento em metrôs das
grandes cidades.
Depois de gastar milhões em publicidade para colocar o
governo federal à frente das obras dos estádios, agora, candidamente, a
presidente diz que nada tem a ver com isso, resumindo os recursos empregados a
financiamentos a serem pagos por estados e empresas. Nenhuma palavra sobre os
recursos de Tesouro Nacional que estão abastecendo os cofres do BNDES. Nenhuma
observação sobre a óbvia constatação de que os recursos que estão financiando
estádios poderiam estar financiando metrôs, estradas e hospitais.
Mas há, nessa afirmação da presidente, um aspecto positivo.
É a primeira vez que o governo reconhece que obras
realizadas por meio de financiamentos não devem ser consideradas obras
federais, já que são recursos que serão pagos pelos tomadores. Registra-se,
assim, uma nova e mais justa leitura sobre programas como o Luz Para Todos e o
PAC, nos quais as obras realizadas com os financiamentos - que serão integralmente pagos por empresas,
estados e municípios - têm sido
apresentados - sem nenhuma cerimônia, como obras da União.
Ao invés de dizer ao país que o governo não investiu na Copa
- como se alguém pudesse acreditar nisso - não seria mais honesto mostrar as
razões que levaram o governo a lutar
pela oportunidade de realizá-la e depois investir nela?
Não seria mais respeitoso com os milhões de brasileiros que
estão nas ruas reconhecer a parcela de responsabilidade do seu governo - que,
registre-se, não é só dele - com os problemas enfrentados hoje pela população?
Ao invés de oferecer aos brasileiros mais uma vaga carta de
intenções, não teria feito melhor a presidente se tivesse se comprometido com
medidas concretas? Se tivesse dito que orientaria o seu partido no Congresso a
desistir de retirar poderes do Ministério
Publico e de impedir a criação de novos partidos? Ou, como bem disse o Senador
Agripino Maia, se dissesse que procuraria o presidente do STF para manifestar
apoio à conclusão do processo do mensalão?
Quem ouviu a pronunciamento da Presidente da República ficou
com a impressão de que se tratava de um governo começando agora e não de uma
gestão que responde pelo que foi – e não foi – feito no país nos último 10
anos.
Através da voz da presidente, a velha política falou ao novo
Brasil que está nas ruas. Pena.
Aécio Neves - Presidente do PSDB